Um estudo com testes por amostragem aleatória para estimar o número de casos na Islândia

18 mai 2020

No artigo científico “Spread of SARS-CoV-2 in the Icelandic population” (em Português,“Disseminação do SARS-CoV-2 na população Islandesa”), Gudbjartsson e os colegas da deCode Genetics-Amgen apresentam um dos primeiros estudos revisto por pares que analisa os resultados de testes virais (feitos por RT PCR) tanto em amostras-alvo como na população geral. O estudo inclui um total de 22 279 testes feitos em três amostragens diferentes.

A primeira, com 9 199 pessoas, corresponde ao teste direcionado a pessoas maioritariamente sintomáticas, pessoas que regressaram de regiões do mundo muito afetadas e que tiveram contacto com pessoas infectadas. Isto é, este grupo assemelha-se aos grupos testados nos protocolos implementados na maior parte dos países. O segundo grupo, com 10 797 pessoas, consiste numa estratégia populacional abrangente, na qual as pessoas podiam autoselecionar-se para serem testadas (o chamado convite aberto), mas seriam pessoas que não apresentavam sintomas (ou quanto muito tinham ligeiros sintomas de constipação) e que não estavam em quarentena. A maior parte destas pessoas eram da capital Reykjavik, onde as amostras foram recolhidas. O terceiro grupo, de 2 283 pessoas, corresponde a uma amostragem aleatória da população (com idades entre os 20 e os 70 anos) convidada por telefone via mensagem de texto. No entanto, das 6782 pessoas selecionadas para esta amostragem aleatória, na altura da publicação (a 4 de abril) apenas 2283 tinham procurado fazer o teste.

Os resultados dos testes direcionados (grupo 1) foram semelhantes aos de outros países. Os autores encontraram 1 221 pessoas positivas (13,3%), com um viés a favor dos homens (16,7% positivos) versus mulheres (11,0% positivas). De facto, cerca de 50% das pessoas que testaram positivo eram homens, embora representassem apenas 39% da população testada neste grupo. Houve também um maior número de pessoas com mais idade a testarem positivo do que pessoas jovens, apenas 6,7% das crianças com menos de 10 anos testaram positivo,mas nas pessoas com mais de 10 anos esta percentagem foi o dobro. Os resultados dos dois rastreios aleatórios à população (grupos 2 e 3) mostraram que 0,8% das pessoas testadas eram positivas, com o mesmo viés a favor dos homens, que representavam 55% dos casos positivos, embora fossem apenas 45% da população testada nestes grupos. Mas mais interessante ainda, dos testes a 848 crianças abaixo dos 10 anos, nenhum foi positivo – se a taxa de testes positivos nestas idades tivesse sido a mesma da que se obteve no grupo dos mais velhos, então esperar-se-ia cerca de 7 crianças positivas. Uma vez que os dois protocolos de rastreio aleatório da população (grupos 2 e 3) foram implementados em diferentes alturas (o convite aberto decorreu entre 13 de março e 1 de abril; e a amostragem aleatória entre 1 e 4 de abril), os autores puderam analisar tendências temporais na proporção de casos positivos, mas as diferenças no tempo foram muito pequenas.

Por último, os autores conseguiram sequenciar o material genético de 581 amostras, encontrando mais de 6 grupos de sequências similares. As sequências de amostras de casos infetados inicialmente foram agrupadas com sequências de outros países, principalmente da Europa, que era a presumível origem dos casos. As sequências dos casos mais recentes correspondem às estirpes em circulação na Islândia. A partir destes resultados, os autores foram capazes de inferir que houve pelo menos 42 introduções diferentes de coronavirus na Islândia. Também foram capazes de sobrepor informação da sequenciação com dados detalhados de identificação de contactos feitos por estudo epidemiológico, mostrando um elevado nível de concordância. Isto também revelou que enquanto que as infeções iniciais resultaram maioritariamente de viagens ao estrangeiro, as infeções mais recentes deveram-se principalmente a exposição no contexto familiar.

Em geral, este estudo indica que a prevalência (fração de pessoas infectadas) por SARS-CoV-2 é baixa na Islândia e, devido à duração longa desta infeção, é provável que a incidência (número de casos por unidade de tempo) seja também baixa. Isto é verdade não obstante a implementação de medidas com menor severidade do que noutros países Europeus. É importante notar que provavelmente este é o único estudo publicado (em qualquer país) que usou um processo de amostragem aleatória para testar a população, o que dá uma visão imparcial destas duas métricas essenciais: a prevalência e a incidência.

Cientista autor deste texto: Ruy Ribeiro

Tradução: Ana Mena

 

Artigo científico

Spread of SARS-CoV-2 in the Icelandic population

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